sábado, 24 de novembro de 2012

Solenidade de Cristo Rei


Homilia Solenidade de Cristo-Rei  -    

Eu pergunto: Jesus é Rei? Como pode ser Rei, num mundo paganizado, num mundo pós-cristão, num mundo que esqueceu Deus, num mundo que ridiculariza a Igreja por pregar o Evangelho e suas exigências?… Pelo menos do Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo o mundo não quer saber… Como, então, Jesus pode ser Rei de um mundo que não aceita ser o seu reinado? E, no entanto, hoje, no último domingo deste ano litúrgico de 2012, ao final de um ciclo de tempo, voltamo-nos para o Cristo, e o proclamamos Rei: Rei de nossas vidas, Rei da história, Rei dos cosmo, Rei do universo. A Igreja canta, neste dia, na sua oração: “Cristo Rei, sois dos séculos Príncipe,/ Soberano e Senhor das nações!/ Ó Juiz, só a vós é devido/ julgar mentes, julgar corações”.
O texto do Apocalipse citado no prefácio desta meditação dá o sentido da realeza de Jesus: ele é o Cordeiro que foi imolado. É Rei não porque é prepotente, não porque manda em tudo, até suprimir nossa liberdade e nossa consciência. É Rei porque nos ama, Rei porque se fez um de nós, Rei porque por nós sofreu, morreu e ressuscitou, Rei porque nos dá a vida. Ele é aquele Filho do Homem da primeira leitura: “Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá”. Com efeito, o reinado de Cristo não tem as características dos reinados do mundo.
(1) Ele é Rei não porque se distancia de nós, mas precisamente porque se fez “Filho do homem”, solidário conosco em tudo. Ele experimentou nossas pobrezas e limitações; ele caminhou pelas nossas estradas, derramou o nosso suor, angustiou-se com nossas angústias e experimentou tantos dos nossos medos. Ele morreu como nós, de morte humana, tão igual à nossa. Ele reina pela solidariedade.
(2) Ele é Rei porque nos serviu: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). Serviu com toda a sua existência, serviu dando sempre e em tudo a vida por nós, por amor de nós. Ele reina pelo amor.
(3) Ele é Rei porque tudo foi criado pelo Pai “através dele e para ele” (Cl 1,15); tudo caminha para ele e, nele, tudo aparecerá na sua verdade: “Quem é da verdade, ouve a minha voz”. É nele que o mundo será julgado. A televisão, os modismos, os sabichões de plantão podem dizer o que quiserem, ensinarem a verdade que lhes forem conveniente… mas, ao final, somente o que passar pelo teste de cruz do Senhor resistirá. O resto, é resto: não passa de palha. Ele reina pela verdade.
(4) Ele é Rei porque é o único que pode garantir nossa vida; pode fazer-nos felizes agora e pode nos dar a vitória sobre a morte por toda a eternidade: “Jesus Cristo é a testemunha fiel e verdadeira, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, o soberano dos reis da terra”. Ele reina pela vida.
Sim, Jesus é Rei: “Eu sou Rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo!” Mas seu Reino nada tem a ver com o triunfalismo dos reinos humanos – de direita ou de esquerda! Nunca nos esqueçamos que aquele que entrou em Jerusalém como Rei, veio num burrico, símbolo de mansidão e serviço. Como coroa teve os espinhos; como cetro, uma cana; como manto, um farrapo escarlate; como trono, a cruz. Se quisermos compreender a realeza de Cristo, é necessário não esquecer isso! A marca e o critério da realeza de Cristo é e será sempre, a cruz!
Hoje, assistimos, impressionados, a paganização do mundo, e perguntamos: onde está a realeza do Cristo? – Onde sempre esteve: na cruz: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui”.
O Reino de Jesus não é segundo o modelo deste mundo, não se impõe por guardas, pela força, pelas armas: meu Reino não é daqui! É um Reino que vem do mundo do amor e da misericórdia de Deus, não das loucuras megalomaníacas dos seres humanos. E, no entanto, o Reino está no mundo: “Cumpriu-se o tempo; o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15); “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou para vós” (Lc 11,20). O Reino que Jesus trouxe deve expandir-se no mundo! Onde ele está? Onde estiverem o amor, a verdade, a piedade, a justiça, a solidariedade, a paz. O Reino do Cristo deve penetrar todos os âmbitos de nossa existência: a economia, as relações comerciais, os mercados financeiros, as relações entre pessoas e povos, nossa vida afetiva, nossa moral pessoal e comunitária.
Celebrar Jesus Cristo Rei do Universo é proclamar diante do mundo que somente Cristo é o sentido último de tudo e de todos, que somente Cristo é definitivo e absoluto. Proclamá-lo Rei é dizer que não nos submetemos a nada nem a ninguém, a não ser ao Cristo; é afirmar que tudo o mais é relativo e menos importante quando confrontado com o único necessário, que é o Reino que Jesus veio trazer. Num mundo que deseja esvaziar o Evangelho, tornando Jesus alguém inofensivo e insípido, um deus de barro, vazio e sem utilidade, proclamar Jesus como Rei é rejeitar o projeto pagão do mundo atual e proclamar: “O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A ele a glória e poder através dos séculos”. Amém (Ap 5,12; 1,6).

Homilia Pe. Lucimar 25/11/2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Salve São Jorge Salve o Santo Guerreiro


Existe uma coisa chamada oportunidade. Atualmente por causa de uma novela temos a oportunidade de falar mais sobre o culto aos santos e, especificamente, estimular o culto a São Jorge. Um culto que não pode ser diminuído por causa do sincretismo religioso que existe no Brasil! Inclusive considero importante sabermos qual a postura que a Igreja exige de nós frente ao sincretismo: não de um proselitismo, mas de uma visão de oportunidade para evangelizar.
Infelizmente a visão de santidade que os protestantes tem como algo "separado" para Deus, no sentido de superioridade e pertença, têm tido muito adesão no meio católico. Vale lembrar que santidade, no catolicismo, não tem muito a ver com a santidade pregada pelas comunidades cristãs evangélicas/protestantes/pentecostais.
No catolicismo ninguém tem uma fé. Nós recebemos uma fé! E não é nossa. É dada. Não precisamos fazer absolutamente nada para merecer essa fé... Não precisamos parar de beber, de fumar, de dançar, de ver a Globo, etc, etc. A fé não é nossa. É um presente de Deus. Nós a recebemos e pronto. Parece óbvio, mas não o é.
Se não temos a compreensão disso, também não compreendemos o que seja a santidade. O santo é, realmente, o separado para Deus. Mas não no contexto que quer o protestantismo! O santo é partícipe de Deus. Está em Deus. Está no mundo! Não é o não fumar, o não beber, o não ver a Globo, e outros nãos que nos fazem santos... A condição para ser santo é participar da vida em Deus. As outras coisas são consequências.
Pode alguém ser santo e ver novela? Mas é claro que pode. É apenas mais difícil, risos... Mas pode. De fato precisamos evitar ocasião de pecado, evitar programas que não contribuem com nossa vida espiritual. Mas isso em hipótese alguma condiciona a santidade a uma lista de coisas para não fazer. Como quer o protestantismo.
E por que é assim? Porque não é por nosso esforço pessoal que somos santos. Claro, Deus leva em conta nosso esforço de querer fazer a vontade Dele! E leva isso tão a sério que no Céu há santos e santos... =) Sim. Os santos não são todos iguais no céu. Os que mais se esforçaram tem, em termos práticos, uma visão beatífica e uma posição diante de Deus que outros não tem. É assim que cremos os católicos. Para demonstrar isso basta ver a posição de Nossa Senhora e São José... Nossa Senhora está acima de todos os santos, inclusive dos próprios anjos que são santos também, obviamente. São José está acima de todos também, menos de Nossa Senhora... E assim segue-se misteriosamente a hierarquia dos santos.
É uma questão de justiça divina.
Então, é isso: a santidade não está condicionada meramente ao que fazemos, como se seguíssemos uma lista de coisas permitidas e evitássemos uma lista de coisas proibidas. A santidade está condicionada a nossa abertura para a Graça, pois é Deus que nos santifica! E isso implica em dizer que vamos ter outra conduta e vamos ter outras obras? É claro que sim.
A fé sem obras é morta.
O pensamento protestante não entende isso e, embora defenda que as obras de nada valem para a salvação, são justamente os protestantes que, na prática, exigem de si mesmo uma "força tarefa" para conseguirem se santificar por meio das coisas que fazem! Daí o proselitismo tão comum nesse meio.
O protestante crê que faz cristãos. Os católicos não fazemos cristãos! Sequer nos fazemos cristãos... É Deus mesmo que faz o cristão. É por isso que, além de ser chato, o proselitismo é estéril. Não adianta pregar sobre Jesus na expectativa de que as pessoas se tornem cristãs como que por osmose bastando para isso "aceitar" o Senhor, como que por um contrato.
Daí insistir que não temos uma fé. Mas recebemos uma fé! E por isso o catolicismo é "universal". Não é que não importa a nacionalidade e a cultura da pessoa para um "cadastro" no catolicismo... É que não existe cadastro! Não existe uma carteirinha católica, como existe a carteirinha protestante que, no melhor dos casos, é o batismo. E está errado! O batismo não é um cadastro de cristãos... É um sacramento. É uma graça.
Não é a toa que muitos estudiosos nos dizem que o mundo moderno tem no protestantismo a sua religião. E eu acho que estão certos! No mundo moderno vale o contrato... E o protestantismo é justamente isso: um contrato do homem com Deus. É por isso que é tão difícil para um protestante de nascença entender que a Igreja Católica não é "uma placa de igreja", risos. É por isso que é difícil para os tribunais de alguns países, especialmente de influência protestante, entender que o padre não é um "funcionário" do Papa.
É por isso que nos países católicos dizemos que as igrejas protestantes são empresas... Não é para ser pejorativo, embora alguns o façam nessa intenção. É para demonstrar a própria visão que os protestantes têm de si mesmos, ainda que não vejam nada de errado nisso.
Digo tudo isso para lhes dizer que não há nada errado em dizer "Salve Jorge" e mesmo em utilizar orações populares ao santo ainda que essas orações sejam usadas num terreiro de macumba. E não há nisso escândalo algum... Certamente nenhum católico irá a um terreiro de macumba reverenciar São Jorge simplesmente porque isso faria sentido algum. Mas sendo o catolicismo de característica "universal", isso implica em dizer que podemos sim absorver aspectos culturais inclusive de adeptos de outras religiões!
Aliás... Foi só o que fizemos nesses mais de 2000 anos! ;)
Eu até compreendo que por um motivo pedagógico se ensine um católico mais jovem em sua fé a manter-se afastado de certas influências. Mas isso varia com a situação! É preciso lembrar que nós, católicos, não assinamos contratos espirituais. Não temos uma fórmula mágica que nos torna mais ou menos cristãos.
E isso é um dom! E também um dos nossos maiores problemas... Risos. Os aproveitadores de todos os naipes sabem muito bem utilizar essa "flexibilidade" (para falar a partir de uma visão moderna, contratual ainda) da religião católica.
Em resumo, eis a nossa oportunidade: compreender melhor o que seja o culto aos santos, mas compreender melhor ainda que santidade não tem nada a ver com o que se ouve e se vê no exemplo protestante - que, obviamente, fazem o melhor que eles podem fazer, mas fazem a partir de uma compreensão errada.

sábado, 18 de agosto de 2012

Homilia da festa da Assunção – Pe. Lucimar

Maria que foi para casa do Pai, Senhora da Abadia. Senhora da Assunção, a mesma Maria o mesmo fim de todos nós.
A oração inicial da Missa de hoje diz: “Deus eterno e todo-poderoso, que elevastes à glória do céu em corpo e alma a imaculada Virgem Maria, Mãe do vosso Filho, dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória”.
A solenidade de hoje nos diz: Deus elevou à glória do céu em corpo e alma a imaculada Virgem Maria! Ela, uma simples criatura, ela, tão pequena, tão humilde, foi eleva a Deus, ao céu, à plenitude em todo o seu ser, corpo e alma! Como isso é possível? Não é a morte o destino comum e final de tudo quanto vive? Falam os pagãos, isso dizem os descrentes, os sábios segundo o mundo, que se conformam com a morte… Mas, nós, nós sabemos que não é assim! Nosso destino é a vida, nosso ponto final é a glória no coração de Deus: glória no corpo, glória na alma, glória em tudo que somos! Foi isso que Deus nos preparou – bendito seja ele para sempre!
Mas, como isso é possível? A Palavra de Deus de hoje nos vem afirma, de modo admirável. Escutai, irmãos, escutai, irmãs, consolai-vos todos vós: “Cristo ressuscitou dos mortos, primícia dos que morreram. Em Cristo todos reviverão, cada qual segundo uma ordem determinada; em primeiro lugar Cristo, como primícia!” Eis por que, eis como ressuscitaremos: Cristo ressuscitou! Jesus de Nazaré, caríssimos, é o Senhor! O nosso Jesus é Deus bendito e foi ressuscitado pela glória do Pai! O nosso Senhor Jesus venceu e no faz participantes da sua vitória, dando-nos o seu Espírito Santo! Credes nisso, meus caros? Neste mundo que só crê no que vê, que só leva a sério o que toca, que só dá valor ao que cai no âmbito dos sentidos, credes que Cristo está vivo e é Senhor, primícia, princípio de todos os que morrem unidos a ele? Pois bem, escutai: o Cristo que ressuscitou, que venceu, concedeu plenamente a sua vitória à sua Mãe, à Santíssima Virgem Maria, que esteve sempre unida a ele. Ela, totalmente imaculada, nunca afastou-se do filho: nem na longa espera do parto, nem na pobreza de Belém, nem na fuga para o Egito, nem no período de exílio, nem na angústia de procura-lo no Templo, nem nos anos obscuros de Nazaré, nem nos tempos dolorosos da pregação do Reino, nem no desastre da cruz, nem na solidão do sepulcro no Sábado Santo… nem mesmo após, nos dias da Igreja, quando discretamente, ela permanecia em oração com os irmãos do Senhor… Sempre imaculada, sempre perfeitamente unida ao Senhor. Assim, após a sua preciosa morte, ela foi elevada à glória do céu, isto é, à glória de Cristo que ressuscitou e é primícia da nossa ressurreição!
A presente solenidade é, então, primeiramente, exaltação da glória do Cristo: nele está a vida e a ressurreição; nele, a esperança de libertação definitiva! Por isso, todo aquele que crê em Jesus e é batizado no seu Espírito Santo no sacramento do Batismo, morrerá com Cristo e com Cristo ressuscitará. Imediatamente após a morte, nossa alma será glorificada e estaremos para sempre com o Senhor. Quanto ao nosso corpo, será destruído e, no final dos tempos, quando Cristo nossa vida aparecer, será também ressuscitado em glória e unido à nossa alma. Será assim com todos nós. Mas, não foi assim com a Virgem Maria! Aquela que não teve pecado também não foi tocada pela corrupção da morte! Imediatamente após a sua passagem para Deus, ela foi ressuscitada, glorificada em corpo e alma, foi elevada ao céu! Podemos, portanto, exclamar como Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres! Bendito é o fruto do teu ventre! Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu!”
Esta é, portanto, a festa de plenitude de Nossa Senhora, a sua chegada a glória, no seu destino pleno de criatura. Nela aparece claro a obra da salvação que Cristo realizou! Ela é aquela Mulher vestida do sol, que é Cristo, pisando a instabilidade deste mundo, representada pela lua inconstante, toda coroada de doze estrelas, número da Israel e da Igreja! A leitura do Apocalipse mostra-nos tudo isso; mas, termina afirmando: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo!” Eis: a plenitude da Virgem é realização da obra de Cristo, da vitória de Cristo nela!
Caríssimos, quanto nos diz esta solenidade! A oração inicial, citada no início desta homilia, pedia a Deus: Dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória”. Eis aqui qual deve ser o nosso modo de viver: atentos às coisas do alto, onde está Cristo, onde contemplamos a Virgem totalmente glorificada em Cristo. Caminhar neste mundo sem no prendermos a ele. Aqui somos estrangeiros, aqui estamos de passagem, aqui somos peregrinos; lá é que permaneceremos para sempre: nossa pátria é o céu, onde está Cristo, nossa vida! O grande mal do mundo atual é entreter-se com seu consumismo, com sua tecnologia, com seu bem-estar, com seu divertimento excessivo e esquecer de viver atento às coisas do alto. Mas, pior ainda, os cristãos também muitas vezes são infectados por essa doença! Nós, que deveríamos ser as testemunhas do mundo que há de vir, quantas vezes vivemos imersos, metidos somente nas ocupações deste mundo – muitos até com o pretexto de que estão trabalhando pelos irmãos e por uma sociedade melhor. Nada disso! Os pés devem estar na terra, mas o coração deve estar sempre voltado para o alto! Não esqueçamos: nosso destino é o céu, participando da glória de Cristo, da qual a Virgem Maria já participa plenamente! Aí, sim, poderemos cantar com ela e como ela: “A minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador: o poderoso fez em mim maravilhas!” Seja ele bendito agora e para sempre.
Nossa Senhora da Abadia

sábado, 7 de julho de 2012

Onde há falta de fé, não existe milagre. XIV Domingo do Tempo Comum – Ano B


Onde há falta de fé, não existe milagre.


Neste fim de semana o evangelho que lemos fica claro que Jesus, embora socialmente aparecesse como um mestre entre tantos, Ele não o era como os restantes, pois não tinha o curriculum de mestre, por isso não vêem nele mais do que um simples carpinteiro, alguém que vivera em tudo uma vida igual à dos seus conterrâneos. «Tiago e José» eram primos de Jesus, filhos duma outra Maria, como se diz em Mt 27, 57 (cf. Mc 15, 47); irmão era uma forma de designar todos os familiares.
Jesus na sua Nazaré. Ali mesmo, na sua própria cidade, onde nascera e fora criado, os seus o rejeitam: “’Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?’ E ficaram escandalizados por causa dele”. Assim, cumpre-se mais uma vez a Escritura: “Veio para o que era seu e os seus não o receberam” (Jo 1,11). E a falta de fé foi tão grande, a dureza de coração, tão intensa, a teimosia, tão pertinaz, que São Marcos afirma, de modo surpreendente: “Ali não pôde fazer milagre algum!”, tão grande era a falta de fé daquele povo.
Meus caros, pensemos bem na advertência que esta Palavra de Deus nos faz! O próprio Filho do Pai, em pessoa, esteve no meio do seu povo, conviveu com ele, falou-lhe, sorriu-lhe, abraçou-lhe e, no entanto, não foi reconhecido pelos seus. E por quê? Pela dureza de coração, pela insistência teimosa em esperar um messias de encomenda, sob medida, a seu bel prazer… Valia bem para Israel a censura da primeira leitura de hoje, na qual o Senhor Deus se dirige a seu servo: “Filho do homem, eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim. A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra, vou-te enviar, e tu lhes dirás: ‘Assim fala o Senhor Deus’. Quer escutem, quer não, ficarão sabendo que houve entre eles um profeta!” Que coisa tremenda, meus caros: houve entre os israelitas um profeta, e mais que um profeta: o Filho de Deus, o Eterno, o Filho amado… E Israel o rejeitou!
Mas, deixemos Israel. E nós? Acolhemos o Senhor que nos vem? Escutamos com fé sua Palavra, quando ele se dirige a nós na Escritura, aquecendo nosso coração? Acolhemo-lo na obediência da fé, quando ele se nos dirige pela boca da sua Igreja católica, ensinando-nos o caminho da vida? Acolhemo-lo, quando nos fala pela boca de seus profetas? Não tenhamos tanta certeza de que somos melhores que aqueles de Nazaré! Aliás, é bom que nos perguntemos: por que os nazarenos não foram capazes de reconhecer Jesus como Messias? Já lhes disse: porque o Senhor não era um messias do jeito que eles esperavam: um simples fazedor de milagres, um resolvedor de problemas… Jesus, pobre, manso, humilde, era também exigente e pedia do povo a conversão de coração. Mas, há também uma outra razão para os nazarenos rejeitarem Jesus: eles foram incapazes de ver além das aparências. De fato, enxergaram em Jesus somente o filho de José, aquele que correra e brincara nas suas praças, aquele ao qual eles haviam visto crescer. Assim, sem conseguir olhar com mais profundidade, empacaram na descrença. Mas, nós, conseguimos olhar com profundidade? Somos capazes de escutar na voz dos ministros de Cristo a própria voz do Senhor? Somos sábios o bastante para ouvir na voz da Igreja a voz de Cristo?
É exatamente pela tendência nossa, tremenda, de sermos surdos ao Senhor, que Jesus tanto sofreu e que Paulo se queixava das dificuldades do seu ministério. O Apóstolo fala de um anjo de Satanás que o esbofeteava. Que anjo era esse? Ele mesmo explica: suas “fraquezas, injúrias, necessidades, perseguições e angústias sofridas por amor de Cristo”. O drama de Paulo é uma forte exortação aos pregadores do Evangelho e a todos os cristãos. Aos pregadores do Evangelho essa palavra do Apóstolo recorda que o anúncio será sempre numa situação de pobreza humana, de apertos e contradições. A evangelização, caríssimos, não é um trabalho de marketing televisivo como vemos algumas vezes nos “missionários” dos meios de comunicação. O Evangelho do Cristo crucificado e ressuscitado, é proclamado não somente pela palavra do pregador, mas também pela carne de sua vida. Como proclamar a Palavra sem sofrer por ela? Como anunciar o Crucificado que ressuscitou sem participar da sua cruz na esperança firme da sua ressurreição? O Evangelho não é uma teoria, não é um sistema filosófico. O Evangelho é Cristo Jesus encarnado na nossa vida, de modo que possamos dizer como São Paulo: “Eu trago no meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17) Triste do pregador que pensar em anunciar Jesus conservando-se para si mesmo. Um diácono, um padre, um bispo, que quisessem se poupar, que separasse a pregação do seu modo de viver, que fosse pregador de ocasião, tornar-se-ia um falso profeta, transformar-se-ia em marketeiro do Evangelho, portanto, inútil e estéril. É toda a vida do pregador que deve ser envolvida na pregação: seu modo de viver, de agir, de vestir, de relacionar-se com os bens materiais, sua vida afetiva, seu modo de divertir-se, seu tipo de amizade… Tudo nele dever ser comprometido com o Senhor e para o Senhor!
Mas, essa palavra de São Paulo na liturgia de hoje vale também para cada cristão. Hoje, somos minoria. O mundo não-crente, seculartizado zomba de nós e já não crê no anúncio de Cristo que lhe fazemos. Sentimos isso na pela! Pois bem, quando experimentarmos a frieza e a dura rejeição, quando em casa, no trabalho, nos círculos de amizades, formos ignorados ou ridicularizados por sermos de Cristo, recordemos do Evangelho de hoje, recordemo-nos dos sofrimentos dos apóstolos e retomemos a esperança: o caminho de Cristo é também o nosso; se sofrermos com ele, com ele reinaremo; se morrermos com ele, com ele viveremos (cf. 2Tm 2,11-12) Não tenhamos medo: nós somos as testemunhas, os profetas, os sinais de luz que Deus envia ao mundo de hoje! Sejamos fiéis: o Senhor está conosco, hoje e sempre.

sábado, 30 de junho de 2012

Festa de São Pedro e São Paulo


Festa de São Pedro e São Paulo
 “Eis os santos que, vivendo neste mundo, plantaram a Igreja, regando-a com seu sangue. Beberam do cálice do Senhor e se tornaram amigos de Deus”. – Estas palavras que o missal propõe como antífona de entrada desta solenidade, resumem admiravelmente o significado de São Pedro e são Paulo. A Igreja chama a ambos de “corifeus”, isto é líderes, chefes, colunas. E eles o são.

Primeiramente, porque são apóstolos. Isto é, são testemunhas do Cristo morto e ressuscitado. Sua pregação plantou a Igreja, que vive do testemunho que eles deram. Pedro, discípulo da primeira hora, seguiu Jesus nos dias de sua pregação, recebeu do Senhor o nome de Pedra e foi colocado à frente do colégio dos Doze e de todos os discípulos de Cristo. Generoso e ao mesmo tempo frágil, chegou a negar o Mestre e, após a ressurreição, teve confirmada a missão de apascentar o rebanho de Cristo. Pregou o Evangelho e deu seu último testemunho em Roma, onde foi crucificado sob o Imperador Nero. Paulo não conhecera Jesus segundo a carne. Foi perseguidor ferrenho dos cristãos, até ser alcançado pelo Senhor ressuscitado na estrada de Damasco. Jesus o fez se apóstolo. Pregou o Evangelho incansavelmente pelas principais cidades do Império Romano e fundou inúmeras igrejas. Combateu ardentemente pela fidelidade à novidade cristã, separando a Igreja da Sinagoga. Por fim, foi preso e decapitado em Roma, sob o Imperador Nero.
O que nos encanta nestes gigantes da fé não é somente o fruto de sua obra, tão fecunda. Encanta-nos igualmente a fidelidade à missão. As palavras de Paulo servem também para Pedro: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé”. Ambos foram perseverantes e generosos na missão que o Senhor lhes confiara: entre provações e lágrimas, eles fielmente plantaram a Igreja de Cristo, como pastores solícitos pelo rebanho, buscando não o próprio interesse, mas o de Jesus Cristo. Não largaram o arado, não olharam para trás, não desanimaram no caminho… Ambos experimentaram também, dia após dia, a presença e o socorro do Senhor. Paulo, como Pedro, pôde dizer: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar…”
Ambos viveram profundamente o que pregaram: pregaram o Cristo com a palavra e a vida, tudo dando por Cristo. Pedro disse com acerto: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo”; Paulo exclamou com verdade: “Para mim, viver é Cristo. Minha vida presente na carne, eu a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Dois homens, um amor apaixonado: Jesus Cristo! Duas vidas, um só ideal: anunciar Jesus Cristo! Em Jesus eles apostaram tudo; por Jesus, gastaram a própria vida; da loucura da cruz e da esperança da ressurreição de Jesus, eles fizeram seu tesouro e seu critério de vida.
Finalmente, ambos derramaram o Sangue pelo Senhor: “Beberam do cálice do Senhor e se tornaram amigos de Deus”. Eis a maior de todas a honras e de todas as glórias de Pedro e de Paulo: beberam o cálice do Senhor, participando dos seus sofrimentos, unido a ele suas vidas até o martírio em Roma, para serem herdeiros de sua glória. Eis por que eles são modelo para todos os cristãos; eis por que celebramos hoje, com alegria e solenidade o seu glorioso martírio junto ao altar de Deus! Que eles intercedam por nós na glória de Cristo, para que sejamos fiéis como eles foram.
Hoje também, nossos olhos e corações voltam-se para a Igreja de Roma, aquela que foi regada com o sangue dos bem-aventurados Pedro e Paulo, aquela, que guarda seus túmulos, aquela, que é e será sempre a Igreja de Pedro. Alguns loucos, dizem, deturpando totalmente a Escritura, que ela é a Grande Prostituta, a Babilônia. Nós sabemos que ela é a Esposa do Cordeiro, imagem da Jerusalém celeste. Conhecemos e veneramos o ministério que o Senhor Jesus confiou a Pedro e seus sucessores em benefício de toda a Igreja: ser o pastor de todo o rebanho de Cristo e a primeira testemunha da verdadeira fé naquele que é o “Cristo, Filho do Deus vivo”. Sabemos com certeza de fé que a missão de Pedro perdura nos seus sucessores em Roma. Hoje, a missão de Pedro é exercida por Bento XVI. Ao Santo Padre, nossa adesão filial, por fidelidade a Jesus, que o constituiu pastor do rebanho. Não esqueçamos: o Papa será sempre, para nós, o referencial seguro da comunhão na verdadeira fé apostólica e na unidade da Igreja de Cristo. Quando surgem, como ervas daninhas, tantas e tantas seitas cristãs e pseudo-cristãs, nossa comunhão com Pedro é garantia de permanência seguríssima na verdadeira fé. Quando o mundo já não mais se constrói nem se regula pelos critérios do Evangelho, a palavra segura de Pedro é, para nós, uma referência segura daquilo que é ou não é conforme o Evangelho.
Rezemos, hoje, pelo nosso Santo Padre, Bento. Que Deus lhe conceda saúde de alma e de corpo, firmeza na fé, constância na caridade e uma esperança invencível. E a nós, o Senhor, por misericórdia, conceda permanecer fiéis até a morte na profissão da fé católica, a fé de Pedro e de Paulo, pala qual, em nome de Jesus, “Cristo Filho do Deus vivo”, os Santos Apóstolos derramaram o próprio sangue.